Num monumento à aspirina
Claramente: o mais prático dos sóis,o sol de um comprimido de aspirina: de emprego fácil, portátil e barato,compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,que nada limita a funcionar de dia, que a noite não expulsa, cada noite, sol imune às leis de meteorologia,a toda hora em que se necessita dele levanta e vem (sempre num claro dia): acende, para secar a aniagem da alma,quará-la, em linhos de um meio dia.
Convergem: a aparência e os efeitosda lente do comprimido de aspirina: o acabamento esmerado desse cristal, polido a esmeril e repolido a lima, prefigura o clima onde ele faz vivere o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,de uso interno, por detrás da retina, não serve exclusivamente para o olhoa lente, ou o comprimido de aspirina: ela reenfoca, para o corpo inteiro,o borroso de ao redor, e o reafina.
João Cabral de Melo Neto(1920-1999)
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