<13 de nov. de 2006

Um pouco de Saramago



Poema à boca fechada
José Saramago
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
(In OS POEMAS POSSÍVEIS,
Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
Imagem:
"Muitos significados, poucas palvras, muito a pensar.....
Conhecimento, supresa, alegria frustração...
esperança, espera e ...
" ...poderia ter sido e não foi..."

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1 Comments:

Blogger renata penna said...

Lindo isso, muito lindo.
E adorei o vídeo sobre o AI-5 e a ditadura. Vc sabe que também sou fascinada por esse tema...

3:21 PM  

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